domingo, 27 de maio de 2018

O tempo não passa, nós é que passamos


O futebol mudou muito mais na estratégia do que na prancheta.
Iniesta se despediu do Barcelona, mas não da bola. Estará na Copa do Mundo da Rússia. O futebol nunca vai esquecê-lo. Ele faz parte do passado, do presente e do futuro. Iniesta trata tão bem a bola, que ela, agradecida, beija seus pés. Ele e Xavi se completaram. Xavi era mais tático, tinha mais o domínio do jogo.
Era o roteirista do espetáculo. Iniesta é o artista, além de ter uma ótima técnica. Não existe arte sem técnica.
Iniesta brilha de uma intermediária à outra. Se tivesse sido formado no futebol brasileiro, o teriam escalado de meia ofensivo e exigiriam que entrasse mais na área, que fizesse mais gols. Não seria o grande Iniesta. A evolução do futebol, nas últimas décadas, mais intensa depois da Copa de 2002, foi muito mais de estratégia e de velocidade do que da prancheta.
No sábado, na final da Liga dos Campeões, vimos dois modernos e diferentes times. O Real Madrid, com um estilo equilibrado entre a ousadia e a prudência, contra o Liverpool, uma equipe explosiva, que corre mais riscos.
O moderno 4-2-3-1 é quase idêntico ao tradicional 4-4-2. Nas duas formações, os times se defendem com duas linhas de quatro e deixam dois jogadores mais adiantados.
Da mesma forma, o atual 4-1-4-1 é quase igual ao 4-3-3, pois, nos dois sistemas, as equipes possuem um volante mais centralizado e mais recuado, um armador de cada lado e dois jogadores pelas pontas, além de um centroavante.
Por pesquisas realizadas, entendi que desde os anos 1960, muitos times atuam com três zagueiros e dois alas, porém, com estratégias bem diferentes.
Enquanto o Atlético-PR adianta a marcação, tenta trocar passes no campo do adversário e, com frequência, perde a bola, o Fluminense, por exemplo, recua, marca com uma linha de cinco e outra de quatro e contra-ataca com velocidade, para aproveitar os enormes espaços deixados na defesa adversária.
Assim como "Dom Quixote", escrito por Miguel de Cervantes, no século 16, é considerado o início do romance moderno, a seleção de 1970 foi o início do futebol atual, pelo menos no Brasil, por unir ciência e planejamento com inventividade e improvisação, o talento individual com o coletivo e com a preparação física.
A seleção brasileira da Copa do Mundo de 1970 foi revolucionária, mas não foi perfeita. Nas últimas décadas, todos os times que jogam com um trio no meio-campo possuem um volante mais recuado, centralizado, entre dois armadores, que atacam e defendem. Na seleção de 1970, foi diferente. Gérson, o armador mais criativo, o maestro do time, jogava pelo meio, entre o volante Clodoaldo, um pouco mais atrás, e o meia Rivellino, um pouco mais à frente. Formavam uma diagonal, um trio torto.
Faltava um armador pela direita. Essa ausência foi compensada porque Jairzinho, um superatleta, além de entrar em diagonal, da direita para o centro, para fazer gols, voltava para marcar, formando um quarteto com Clodoaldo, Gérson e Rivellino. O time saía do 4-3-3 para o 4-4-2.
No segundo gol do Brasil, contra o Uruguai, Jairzinho recuperou a bola perto da área do Brasil, tocou para Pelé, que tocou para Tostão, que lançou para Jairzinho receber perto da outra área... Enquanto os uruguaios atacavam, os três atacantes brasileiros estavam no campo do Brasil, e Jairzinho correu de uma área à outra para fazer o gol. Nada mais moderno.
Muitas coisas antigas são modernas, e muitas coisas atuais estão ultrapassadas. Como diz um tango, "o tempo não passa, nós é que passamos".



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