terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Os pingos nos is


Pior do que o baile humilhante que o futebol brasileiro levou do espanhol, na final do Mundial Interclubes, entre Santos e Barcelona, foi ouvir e ler algumas das opiniões de Muricy Ramalho e Mano Menezes — dois dos nossos mais badalados técnicos da atualidade. Aliás, os escolhidos pela CBF para treinar a seleção brasileira: o primeiro a recusou, o segundo a pegou.

Com seu folclórico mau-humor, o treinador santista, ao invés de admitir humildemente o fracasso (como fez, com admirável grandeza, o jovem Neymar), preferiu disparar contra a mídia: — No Brasil, o sistema que eles (os espanhóis) usam é (considerado) absurdo. Com 3-7-0, mandam te prender. Mas como é o Barcelona todo mundo aceita... — resmungou, na entrevista pós-massacre.

Já no final do domingo, instado a se manifestar, Mano Menezes postou no twitter: "Aqui (no Brasil), nossos críticos ainda estão rotulando uma equipe ofensiva pelo número de atacantes ou volantes que o seu técnico escala na formação inicial" — observou, entre outras considerações, nas quais defende a tese de que o Barça faz hoje em dia algo completamente diferente do que já se fez no futebol (?!?!) e que precisa ser
aceito, entendido e resolvido.

Em suma, ambos resolveram dividir com a imprensa a responsabilidade pela retumbante derrota! Ora, façam-me o favor...

ATROPELAMENTO. O tal 3-7-0 do Barcelona, diagnosticado por Muricy, na realidade, poderia ser mais fielmente descrito como um 0-3-7, pois, ao imprensar o rival em seu próprio campo, como faz, o time de Guardiola transforma seus três zagueiros (Piqué, Puyol e Abidal) em autênticos volantes, postados na intermediária. Daí pra frente todo mundo é meia e atacante. Como é possível? Por uma simples razão: há talento e habilidade de sobra. Resumo da ópera: Muricy foi atropelado por um caminhão e não conseguiu anotar a placa...

MIOPIA. Essa discussão sobre esquemas e posições levou Mano a disparar contra os "extremistas" que, segundo ele, insistem em rotular times e treinadores como defensivos ou ofensivos, de acordo com o número de marcadores e atacantes. Seu equívoco está no cerne da discórdia: a questão não é de quantidade mas de qualidade.

Houve segundo a história do nosso futebol, um tempo em que nossos volantes não eram botinudos, preocupados somente em desarmar. Zito, Clodoaldo, Dudu, Carpegianni, Cerezo, Falcão, Andrade, Pintinho, Juninho Pernambucano etc., protegiam suas defesas e também davam início aos ataques.

Porque sabiam jogar! E, por isso, seus times tinham saída de bola perfeita e toque refinado.

De uns tempos pra cá, no Brasil, jogadores dessa estirpe perderam espaço: qualquer cabeça-de-área que saiba fazer um pouco mais que dar carrinhos e desferir socos e pontapés é logo avançado para a posição de meia — às vezes, vira até atacante! E o que acontece? Na maioria dos casos, não se ganha um grande armador e se perde um bom volante.

E tome de brucutu. E, consequentemente, tome de passe errado, de chutão pra frente, de chuveirinho a esmo... É nisso que, infelizmente, se transformou nosso futebol. E é por isso que ficamos tão abismados quando nos deparamos com timaços como este do Barcelona, que pratica um jogo de sonhos, sim. Como o nosso já foi um dia...

BONS DE BOLA? O que Muricy, Mano e tantos outros medalhões da área técnica parecem ter se esquecido é da verdadeira essência do nosso jogo.

Ao abdicar do talento, em prol da força; do drible, em prol do carrinho, e da tabelinha, em prol do chutão, renegamos nossa própria história.

Leio que em 1970, para escalar os melhores, Zagallo fez Piazza se tornar zagueiro; Tostão, centroavante; Rivelino, ponta-esquerda, e Jairzinho voltar à ponta- direita. E na prática, quatro anos antes do revolucionário "carrossel holandês" de Rinus Michels, o escrete de Zagallo já arriscava os seus giros pelo campo, esbanjando categoria e massacrando os rivais.

Foi assim também em outra seleção que encantou o mundo pela união de talentos, independentemente de posição: o Brasil de Telê assombrou a Europa, numa excursão, em 81, e, mesmo derrotado, encantou, na Copa da Espanha, no ano seguinte, com Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico, acompanhados de Leandro e Júnior.

É verdade que não temos, hoje em dia, tantos talentos nem de tal naipe. Mas se nossos treinadores continuarem preterindo os garotos bons de bola que surgem e ainda nos restam para encher nossos times e nossas seleções de volantes parrudos (no mínimo, três por meio-campo!!!) e trombadores, só nos restará aplaudir o Barcelona, a Espanha, a Alemanha etc. — e contar para os nossos netos que um dia já fomos bons de bola.
 
Mas será cada vez mais difícil que eles acreditem...

Por Aleksim Oliveira

Nenhum comentário:

Postar um comentário